terça-feira, 25 de junho de 2013

À LUZ DE Béla Tarr - Texto de Marcelo Perrone na Capa do Segundo Caderno da Zero Hora de hoje

– O que eu tinha para fazer no cinema, já fiz. É de forma sintética e objetiva que Béla Tarr responde que, sim, “como já disse mil vezes”, O Cavalo de Turim foi o último longa-metragem que dirigiu. Esse derradeiro filme, vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim de 2011, é uma das atrações da retrospectiva com cinco trabalhos do diretor húngaro que a Sala P.F. Gastal da Usina do Gasômetro exibe de hoje a domingo, com entrada franca.

Afora a oportunidade muito rara de se conhecer o trabalho de um dos mais celebrados realizadores do cinema contemporâneo – nenhum de seus filmes teve lançamento no Brasil –, os cinco longas serão exibidos com projeção em película 35mm. São as condições ideais para sentir na plenitude o impacto sensorial do cinema de Béla Tarr.

Seus filmes ilustram, em um contrastante preto e branco e com fartos e vagarosos planos-sequência, um universo em desencanto, pela opressão política e econômica, pela bestialidade humana, pelo rigor da natureza, pelo fastio físico e existencial. É uma representação ao mesmo tempo hiper-realista e onírica.

– Não se trata de conceito visual. Nunca trabalhei nesse sentido, nunca elaborei conceito visual algum. Essa é minha linguagem, é a forma como eu vejo e sinto o mundo, é a forma, para mim, correta de representá-lo – diz Béla Tarr a ZH, por telefone, desde a Hungria.

O Cavalo de Turim, que abre a mostra, hoje, às 20h, é simbólico do estado de espírito do diretor de 57 anos. Citando o episódio que fez Friedrich Nietzsche chorar, Béla Tarr especula sobre o destino do cavalo protegido do espancamento pelo filósofo alemão. Nas duas horas e meia seguintes, assiste-se à rotina de um camponês e sua filha nos confins da Hungria, ao longo de seis dias que parecem se repetir. Quase não há diálogos, o som onipresente é o do vento que fustiga o lugar. Como Tarr já disse, o filme (em suas múltiplas leituras) representa o curso da vida, que se encerra quando já não há mais energia e esperança.

O interior rural da Hungria também é tema da obra-prima do cineasta, Satantango (1994), monumento com mais de sete horas de duração no qual ele apresenta um quebra-cabeças narrativo que segue a métrica musical do tango – diferentes pontos de vista sobre um mesmo episódio erguem, indo e vindo no tempo, um painel sobre carências físicas e morais da Hungria pós-comunismo.

– Comecei a trabalhar sob a censura política do regime comunista e passei a trabalhar sob a censura econômica do regime capitalista. O que posso dizer é que os dois são uma m. – diz o diretor, destacando que as crescentes dificuldades para realizar filmes em seu país também colaboraram para ele jogar a toalha.

Sem se seduzir pela tecnologia digital (“Ainda é fake, artificial”), reverente a mestres como Jean Luc-Godard (“Não tenho interesse pelo cinema que fazem hoje”), Béla Tarr tem como motivação agora a escola de cinema que criou em Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina.

– Não encontro mais trabalho em meu país, onde tornei-me uma ovelha negra. Sarajevo é uma cidade internacional e multicultural, com católicos, muçulmanos e ortodoxos. É o lugar certo para um jovem cineasta. Tenho alunos vindos de países como Japão, México, Islândia, França, Espanha e Portugal.

A mostra O Cinema de Béla Tarr é uma realização da Surreal Filmes, em parceria com a Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia da prefeitura de Porto Alegre. Os ingressos estão disponíveis mediante retirada de senha 30 minutos antes da sessão, na bilheteria.


Marcelo Perrone
25 de junho de 2013

Capa Segundo Caderno - Zero Hora

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