sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A força autêntica e simples de Um Homem que Grita - por Marcelo Oliveira da Silva

Transcrevemos abaixo artigo que Marcelo Oliveira da Silva escreveu sobre o grande filme O homem que grita, que estreia na P. F. Gastal na próxima semana.
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A força autêntica e simples de Um Homem que Grita

Marcelo Oliveira da Silva



A primeiríssima grande qualidade do filme Um Homem que Grita é romper a virtual invisibilidade da África no cinema. Certo, você talvez pensará, “O que eu aqui em Porto Alegre ganho com isso?” Bem, não se trata apenas de uma chance de vislumbrar a vida como ela é, ou também pode ser, naquele continente pouco visto e menos ainda conhecido, mas sobretudo a de conferir como é possível se contar muito bem uma história com muita simplicidade.

O diretor Mahamat Saleh Haroun nasceu no Chade (onde se passam todos os seus filmes) e estudou cinema e jornalismo na França. Sua temática está centrada nos mais de trinta anos de guerra civil que inviabilizam sempre mais sua terra natal. No caso de Um Homem que Grita, prêmio do júri em Cannes neste ano, sua verve de jornalista dá lugar ao cronista sóbrio, que pinça o drama familiar de um homem comum para evocar a situação de sua nação.

Adam (Youssouf Djaoro) foi campeão nacional de natação na juventude e hoje cuida da piscina de um hotel de luxo. Quando o hotel é privatizado, ele perde a posição para o ajudante, seu filho, sendo colocado na portaria. Ao mesmo tempo, emissários informais do governo lhe pedem dinheiro para combater as tropas rebeldes. Adam afirma não ter dinheiro e de fato se pode compreender que não tivesse poupança. Um segundo aviso de que seu filho seria colocado no posto de capitão podia ter acendido em Adam a necessidade de vender a motocicleta ou o que fosse para evitar o alistamento. Adam não faz isso, talvez por acreditar que como oficial o filho estaria mais seguro, talvez por desejar reaver sua posição de administrador da piscina do clube ao qual dedicou sua existência. O rapaz acaba sendo recrutado à força e Adam terá de conviver com o dilema moral de não ter feito mais para salvar seu menino.

Se o enredo pode ser descrito em pouquíssimas linhas, o mesmo não pode ser dito da narrativa. A câmara e a edição de imagens não estão a serviço da espetacularização estética, mas do contexto. Contudo, não falta à fotografia rigor estético. Somos poupados daquelas imagens demasiado familiares de por-do-sol tropical. E somos não poucas vezes surpreendidos pela beleza de elementos insuspeitos, como por exemplo esteiras penduradas na calha da varanda de Adam, filtrando o sol, mas deixando antever o que se passava ali atrás de uma maneira original e ainda assim em nada estetizada.

Em se tratando do drama de um pai em meio a uma guerra civil, há grande chance de pieguice e paternalismo comprometerem a história. Outro grande acerto no sentido de evitar a estetização e conferir realismo à obra foi a decisão do diretor de empregar apenas atores amadores. A qualidade do resultado é também comprovada pelo merecido prêmio para Youssouf Djaoro no Festival de Chicago.

Outro ponto que confere autenticidade a Um Homem que Grita é a maneira como conflitos e questões de família são resolvidas naquela cultura. Muito ao sabor da restrição implacável que o calor impõe aos movimentos e, por consequência, aos diálogos, muito do que se comunica é apenas sugerido por meio de silêncios, olhares e gestos – ou a ausência deles. O que quer que precise ser extravasado, não encontra sua liberação na verborragia, mas em atitudes concretas. É assim quando Adam ataca o homem que lhe informou a convocação do filho ao vê-lo fugir disfarçado de mulher quando a cidade é evacuada. É assim quando a namorada do rapaz exprime numa cantiga triste – e efetivamente emocionante para o espectador na sala de cinema – a dor da separação.

Um Homem que Grita termina com uma citação que também nos sacode na confortável cadeira de espectadores. O breve texto nos convida a descruzar os braços, “porque um homem que chora não é um espetáculo e seu rosto em lágrimas não é um palco”. É possível que desde Porto Alegre não possamos de fato fazer muita coisa concreta pelo drama no Chade, mas saber de sua existência, falar dele, certamente ajudará a tornar o problema mais visível, aproximando-o ao menos da solidariedade.

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